Estávamos,
vamos imaginá-lo, num tempo sem demarcação histórica, sem presente nem passado,
do futuro sabíamos apenas a raiva que lhe tínhamos, e num espaço sem limites
físicos, sem um centro no universo. Essa era a época em que conheci o homem sem
emoções. O mundo estava organizado de forma muito errática, mais do que errada.
Do céu recebíamos o sol ou a chuva, como sempre tinha sido, mas sentíamos um
peso que nunca havíamos experimentado antes, as pessoas moviam-se lentamente,
ensimesmadas, os autocarros paravam morosos e os utentes entravam silenciosos,
o metro já não rugia nos carris e dos governos pouco se esperava a não ser um
suicídio em massa que finalmente desse o exemplo necessário. Tudo isto
funcionava, no entanto, num plano congeminante que pouco tinha que ver com a
esfera das possibilidades ou realidades.
É importante que eu vá referindo ou
vá revelando o zeitgeist de quando tudo se passou porque, repare, ainda que
seja sempre a minha própria percepção do estado das coisas, não será de todo
errado apontar para a humanidade a violência do pensamento em bando. Dito isto:
duvido que esta forma de ver não fosse semelhante a uma parte significativa da
população da altura.