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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Natal

Pedi um porco ao Pai Natal
e só me saíram pérolas.
Fiquei como um palácio
perante um burro.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Close-up


Que tudo tem um tempo, sabemo-lo. Há coisas que
pertencem somente a um determinado momento e que
se não forem feitas ou apreciadas nesse espaço de tempo
já não fazem sentido algum. 

Baixa o aborrecimento
ou o desinteresse
ou simplesmente
a indiferença.

A beleza das coisas não é apenas efémera, por exemplo,
é também parte de uma certa duração de análise. Se não for
apreciada ou experimentada no tempo em que é
redundantemente bela,
foge, parte-se, deforma-se. É como fazer
um close up numa fotografia ou numa pintura:

os pequenos detalhes da imperfeição aparecem
mais nítidos e destroem o conjunto. 

Aí entra o "-ex", prefixo temporal:
ex-belo, ex-mulher, ex-vivo. 

Há um momento para tudo e há
a ânsia de consumir algo nesse
tempo onde isso seria perfeito.
Fora dele não faz sentido.

Todos somos crianças que querem muito
um brinquedo ou um chocolate quando não podemos,
por todas as razões, tê-los,
todos somos as mesmas crianças
que rapidamente se desinteressam pelo mesmo
brinquedo ou chocolate quando, mais tarde,
no-los dão.
Todos somos Madames Bovary.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

eternidade

Alfa: E dizer-te tudo, tudo, tudo, 
Ómega: Sentir tudo de todas formas,
Alfa: Rasgar-te a pele aos bocadinhos enquanto te acaricio os mamilos, 
Ómega: Foder-te por trás enquanto choro por seres tão bonito, 
Alfa: Olhar-te nos olhos enquanto me venho dentro de ti, 
Ómega: Mamar-te, roçar os meus dedos ao de leve na tua barriga de pele fresca e lisa,
Alfa: Sentir o teu caralho a latejar enquanto te enfio um dedo no cu, 
Ómega: Ler-te um poema que fale de amor puro e estúpido, sorrir ao ver-te dormir, 
Alfa: Mandar-te contra a parede enquanto te protejo a cabeça com as mãos, 
Ómega: Subir a um altar contigo e dizer sim, sim, sim, 
Alfa: O mesmo sim, sim, sim que dizes tu ao te vires, 
Ómega: Olhar-te obsessivamente dormir como um anjo, 
Alfa: Cantar uma música foleira para ti enquanto te esfrego as costas com sabão, 
Ómega: Sentir-me culpado por olhar para outros e desejá-los, 
Alfa: Ver pornografia contigo enquanto batemos uma um ao outro, 
Ómega: Amar-te, amar-te, amar-te, 
Alfa: Chorar a tua possível morte, 
Ómega: Descobrir-te até já não me servires, 
Alfa: Nunca mais, 
Ómega: Chorar por já não te amar, 
Alfa: Apaixonar-me por um outro tu, 
Ómega: Repetir,
Alfa & Ómega: Meu Deus, será assim tanto pedir-te a eternidade?

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

versus

     Eu direi que o meu sofrimento não interessa porque há gente a morrer à fome, tu dirás que não é possível medi-los, um e outro, equacioná-los numa mesma balança, eu perguntar-te-ei porquê, tu responderás que os problemas são relativizados perante um determinado contexto, que a fome inviabiliza todo e qualquer manifesto humano que não seja de completa entrega altruísta no sentido da sua destruição e erradicação, mas eu argumentarei que os meus problemas não são menores do que esses porque são meus, tu contra-atacarás que eu sou um fedelho burguês habituado ao conforto e à demasia, aí eu não terei argumentos suficientemente sólidos, mas nunca entenderei realmente o porquê de tantos revolucionários preocupados com o estado da Terra exercerem violência sobre os seus esposos e esposas ou serem pais ausentes ou filhos mal agradecidos, tu responderás que isso é em prol do bem comum e eu dir-te-ei que quero que o bem comum se foda porque nem Jesus nem Aristóteles nem o Che Guevara nem o John Lennon conseguiram mudar o mundo, o meu sofrimento não é equiparável ao sofrimento da fome e doença, mas pelo menos partilho a minha comida com todos aqueles que conheço, esta minha ação devia ser um efeito borboleta, se todos repetissem o gesto não haveria mal no mundo, e mais direi que talvez o mundo seja os cordões que mataram a Sarah Kane mas que ainda assim mereça salvação, acrescentarei peremptoriamente que o mundo devia ser a construção através do amor e que a única coisa perene e que nunca morre no mundo é o dinheiro, mas no fundo hei-de desabafar que não acredito na sua redenção e expurgação porque o instinto básico humano é a sobrevivência e não o altruísmo social.   

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

terramotos mnémicos

      Se o meu coração não me engana, engana, a terra treme debaixo dos nossos pés, o Gil Vicente cai sobre um pobre preto pedinte que caga contra o Teatro, talvez seja bom destruir tudo e derramar cimento sobre os destroços para nem criar raiz, a terra treme e o meu coração não me engana, vem aí o fim dos pilares soberbos prepotentes de sobremaneira erigidos sobre as cabeças burras dos cifrões, a mãezinha vai falecer não tarda nada, restarão as lajes idiotas dos heróis destruídos e afogados no mar, a terra treme debaixo dos meus pés, é o som dos cascos dos cavalos de guerra que trarão uma nova Tróia sem espadas nem mulheres objetificadas, caralho vem uma rajada que arrasará o orgulho de políticos-martelo que dormem em tendas porque o chão treme, não mais Portugal não mais Portugal não mais Portugal, Portugal, Porto Gales não, o mundo! o mundo! o mundo!, a terra treme debaixo dos nossos pés e aquele preto não morreu em vão, a merda dele a mesma merda de reis.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

(mis)dialogue

- It never really goes away, does it?
- Probably not, I don't know, I really don't.
- It's always in me, at all times, no matter how hard I try it stays here, it never goes away. No matter what I do I always end up in the same place, next to it, living with it, feeding it. I wish I could just get out of myself.
- You can't, pet, you can't - you're you also at all times.
- How do we cope, then?
- We don't. We get by, merely.
- It's all bullshit, really.
- Now, now, hush. Stop crying now. It ain't gonna help.
- It's just that there are times when I think I've done it, I've got rid of it, but then it comes back, worse then before and more intense.
- I know, and I wish I could tell you that it gets better with time, but it doesn't, really.
- I feel it everyday, every minute and second of my days: it's creeping inside, it dumbs and numbs me down. I've tried, God knows I have, to fight it and sometimes I think I've succeeded but then it all comes tumbling down again. I just don't know what to do with myself anymore.
- You could try new pills, you know?
- I'm sick of pills - all they do is make it worse. I hate them.
- But they're always coming up with new stuff, new drugs, you never know. I just wanna help you.
- I know and I'm sorry if I reacted like that. I'm just quite desperate.
- Don't be, you're still young and beautiful.
- I'm too sad to be beautiful.
- Don't be silly, love. You're still a very pretty flower.
- You're too good, my friend. But I know I'm not.
- You're not going to feel beautiful if you don't think you are.
- Do you think you are beautiful?
- No.
- There you are.
- I don't know what to say.
- I don't either. Let's go eat something, eat the pain away.
- Honey, you know we're never gonna be thin if we keep eating like this, right? No pill will help if we pig out ALL the time.
- Fuck it. This fat will never go away. I'm thinking McDonald's.
- Sounds good, I'm dying for a burger.

domingo, 2 de dezembro de 2012

no limiar


Foram breves as rosas e os encontros, fugazes
noites foram todas em que os corpos se separaram.
Fomos felizes?
Fomos por momentos alegres
até a conjunção dos abdominais indefinidos mostrar
a cor cinzenta dos dias que se iriam seguir.
Não foi possível o retorno, o retorno, o retorno,
o regresso incinerado por entre montes e musgo.

Fomos cavalos, raízes, pedras:
as formas geométricas de uma idade velha
que se esqueceu de contar os dias.

Foram breves as rosas e os encontros, fugazes
dias foram todos em que os olhos se desencontraram.
Ficámos cegos?
Ficámos num momento atordoados
ainda bêbados de amor ou sóbrios no spleen,
uma miríade de cores contrastantes, confusas.
Não pudemos a partida, partimos separados, partimos
os copos nas cabeças um do outro, sangrámos as paredes.

Fomos pássaros, facas, flores:
um vulcão à espera de implodir,
sabendo que era já velho demais para rebentar.


a meio caminho andado

     Um caralho de um frio de rachar, o termómetro a marcar um grau, eu com uma dorzinha leve na boca do estômago, náuseas estranhas (acho que era de estar em casa à lareira, demasiado perto do calor) e dor no pescoço de passar demasiado tempo ao computador a tentar encontrar quem estivesse disposto a fazer-me um broche. Estivera a ler Rubem Fonseca, não se admirem.

Saí à rua convicto de que não estava assim tanto frio, saí e antes meti um cigarro na orelha, bem sei que pareço um carpinteiro ou um trolha com a porcaria do cigarro na orelha, mas acredito que lá no fundo até dá algum estilo. Talvez eu seja simplesmente idiota.

      E magro, também sou magro. A minha mãe viu-me a escrever no teclado do computador, minutos antes de eu sair de casa, e como escrevo muito rapidamente, disse que gostava de escrever com esta velocidade toda. Respondi-lhe que provavelmente nunca iria conseguir e arrependi-me logo a seguir. Não sei porque respondo este tipo de coisas à minha mãe. Talvez porque ela pense constantemente que eu sofro de cancro no estômago ou na vesícula, que esteja na realidade a morrer desnutrido e emaciado. A verdade é que sou magro mas como o suficiente. Sinto-me inchado muitas vezes porque sou pseudo-anorético, nada mais. Gosto de ver ossos salientes.

    Mas saí de casa. O intuito era ou ser mamado até ao tutano, sugado até à secura, ou simplesmente caminhar. Calcei uns ténis baratos e infinitamente finos demais para aquele tempo, pus um cachecol leve ao pescoço, um casaco grosso, e lá fui eu. Eu gosto da roupa de inverno mas confesso que os casacos demasiado grossos tiram todo o sex appeal às pessoas. Parecem uma cambada de humpty dumpties, especialmente se usarem skinny jeans.

      Ah!, mas o cigarro na orelha. Procurei-o com os dedos (não uso luvas, também não estava assim tanto frio) e não o encontrei. Fiquei fodido, deve ter caído quando me baixei para calçar os ténis, e agora, que caralho, tinha de enrolar outro, mas mesmo não estando assim tanto frio para usar luvas, estava realmente algum frio e teria de ficar com as mãos ao relento durante alguns segundos. Decidi não fumar. Quase que me alegrei com a decisão porque estaria a poupar um prego aos meus pulmões e coração, mas na realidade eu estava literalmente a cagar-me para os meus pulmões e coração, só me interessava e importava a pele e os dentes, que são as coisas que se veem. É uma forma distorcida de hedonismo e de vaidade.

      Nunca pensei que fosse essa a noite em que morreria.

     Eu caminhava rapidamente arfando visivelmente sob o céu gelado e claro, o vapor do meu bafo mostrado pela luz dos poucos candeeiros daquela merda daquela aldeia onde vivia. Sempre odiei que dissessem que as aldeias conservam algo de mais puro e inocente do que as cidades, que as pessoas são mais simples e amáveis e bondosas. Tudo uma grandessíssima filha da putice de uma mentira. As pessoas são até mais mesquinhas, têm cabeças de metal, pensamentos mecanicistas, pequenos e largamente fabris e industriais, e cruzam os braços ao caminharem na rua, e têm cotão nos cabelos, criticam as roupas das pessoas que vão aos funerais, e acham que não ter as cortinas lavadas no dia do velório de um defunto parece mal. Caguei para as aldeias e para as vilas, sinceramente, e para a merda das vidas reduzidas a

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      E ainda assim morri. Numa aldeia e de uma forma não menos mecanicista. É que pouco depois da minha casa há uma ponte onde passa um rio muito estreito e sujo, que cheira ou a merda ou a sangue podre dos animais sacrificados no matadouro, rio acima. Não que eu seja vegetariano, não sou, não cheguei ao topo da cadeia alimentar para comer erva (ok, não tem que ver com isto, tem mais que ver com o facto de eu não querer perder massa muscular e detestar tudo o que seja soja).

Mas a estupidez da minha morte, esqueçam a ponte que não tem nada a ver com o assunto: ia eu, farto de não poder fumar, decidi enrolar um cigarro a andar para não morrer de frio. Nós os desta aldeia temos a mania de andar no meio da estrada. É até inconsciente. E devo ter estado mesmo no meio da estrada quando… Não, relaxem, seria fácil demais se eu tivesse sido simplesmente atropelado ou tivesse caído ao rio (já disse que a ponte não tem nada a ver com a história). É que enrolei o cigarro no meio da estrada, a caminhar. E parei para o acender. Aquela primeira passa é sempre a melhor, o fumo a entrar pelos corpos adentro, é uma sensação primitiva e orgásmica que não consigo explanar. Gosto mesmo muito de fumar. Mas a temperatura parecia ter descido uns graus valentes quando acendi o cigarro, e eu apressei o passo, ainda no meio da estrada. E foi então que aconteceu: umas pontadas no peito, o braço sem força, uma dor perfurante no centro do meu tórax (mais sentível para o lado esquerdo, o caralho do coração, claro), um aperto, um aperto, um aperto, uma pressão, um aperto. O meu passo começou a acalmar, o meu corpo finalmente a ceder a um cansaço repentino e bruto, o meu corpo a morrer, o meu corpo a quebrar perante o enfarte, o enfarte, o enfarte, estava a ter um enfarte, caí pesado sobre o chão, o cigarro rolou para a berma da estrada, eu no meio da estrada, puta que pariu, morrer no meio da estrada é prolongar a triste fama que as pessoas desta aldeia que detesto têm.