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segunda-feira, 27 de junho de 2011

adágio

Continuava respirando e o suor caía em gotas gordas e pesadas. No quarto quarto, e isto não é um erro, pensava, a luz queimava-lhe a vista e a testa era mais leve do que outrora. Seguia respirando, seguia, porque não podia fazer mais do que seguir. Não podia. Seguiria respirando e transpirando. Até sufocar e se tornar um deus que levanta voo no escuro. Sem veneno - apenas asas feitas da sua voz bem alta.

sábado, 18 de junho de 2011

Justaposição

A PENUMBRA

Uma noite em claro estou, eu não sei rezar
Pensamento inútil vou tentar-me anular
Fiquei triste, triste sou, eu não sei rezar

Vem que a alma se afunda
Nesta imensa penumbra
Que a noite me está morrendo
Que a noite me está morrendo

Minha noite um brilho tem, um sinal plebeu
Não tenho malícia mãe, o discuido é teu
O amor não se nega nem a quem nega o seu

Uma noite em claro estou a saber de mim
À flor da minh’alma sou princípio do fim
Quem me prendeu, quem me amou
Não cuidou de mim

Jorge Fernando

http://www.youtube.com/watch?v=iUgJsI66gt0

segunda-feira, 13 de junho de 2011

acknowledgement

CONTRA 
 
O ecrã olhava-me,
Eu quieto, ansioso.
Vi nas letras vazias
Quem sou.
Só soube ser nas letras vazias.
Nunca de outra forma
Os comboios passaram por mim.
O ecrã olhava-me,
Eu irrequieto, caótico.
Não li mais letras,
Os meus olhos desistiram
Quando meu corpo sucumbiu
Ao vazio das palavras não ditas.
Porque nunca consegui ver as que de facto se disse.

domingo, 12 de junho de 2011

acção impedida

Esperei para ver-me,
Sentado,
Esperei debaixo da
Luz.
Vim então ter comigo,
As vozes sem cabeça falando,
E o homem nu estendeu-me a mão
Num aperto que tive de lavar.
Amei-me?
Continuei esperando por mim debaixo da
Luz.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

where is it?

      Como proceder daqui, analisar a performance esquecida e procurar o casaco nos escombros? Quebrou-se ali o parágrafo, reza a história que foi de queda quebrada que tudo também aconteceu. Falava com um rapaz de olhos inusitadamente azuis, criticando a panela onde se derretem as cores, metáforas, metáforas, metáforas, traduções literais com adições. Assuntos assim tão interrompidos por uma brasileira putinha e bastante pequeninha, que era bela e morena, e foi-se embora o rapaz dos olhos, e pronto, foi-se com meios beijos a rapariga, restou o panda. O panda era grande e asiático, tempestuou através do bambu, imenso e magoado, e revelou-se dócil como um urso amestrado. É a sua última memória dessa noite até à madrugada. O panda. Que significado terá que ter este flash?        Os olhos acordaram de um sonho sem sonho, o odor nauseabundo a refluxo cor de rosa, onde estás, na ilha vista, não, isto é um hospital. Não sabia onde estava a carteira e o passaporte, tinha telefone, cigarros e tabaco, faltava-lhe o casaco, onde estariam os escombros? Viu outro que tal como ele, mas para o outro tinha vindo um carro – ninguém tinha isqueiro, que traça ter de aguentar até chegar a casa. Chegou, tresandava, doía, veio a amiga, riram-se, ele rezou que estivesse o casaco com os amigos – onde estariam os amigos – e deitou-se. Acordou passadas algumas grandes horas sentindo-se o pior sentimento à face da terra. O seu amigo não tinha o casaco, nem o valete. De toda a lentidão ainda houve algum riso e a consciência da perda e do custo de ganhar de novo o apostado sem olhar. A comida mexicana, grátis, fez-lhe mal ao estômago, e na casa da noite anterior não estava casaco algum não nos escombros concretos, a melhor das sortes, desejou-lhe um tal palerma como ele. Era a vez da polícia, que um deles o reconheceu imediatamente, bonito que só. 
A partir daqui é tudo parece que, terá acontecido assim. O polícia disse-lhe que o tinham encontrado, estando bastante agitado e rodeado de estranhos que diziam, foi atacado, foi atacado. Quase afogado em vómito, balbuciava o que todos os bêbados balbuciam, que não era checo, era português. Ao que parece, só não tinha ido para a prisão porque precisava por demais de médicos, era aguda a intoxicação conduzida pelos tiros. Não tinham achado nem virado para dentro nem o casaco nem a carteira nem o passaporte. Ainda foi à casa do outro lado da rua, ninguém, estava toda a gente na extravagância do sábado à tarde e noite. Passou o resto do dia e noite sentado no sofá, olhando o ecrã repetido da televisão, lento, demorado e impotente para encarar os zeros tais como eles eram. E veio o domingo, concatenando o dreno que sugava tudo e tudo. Ainda o casaco sem aparecer, a carteira dentro dele e o passaporte roçando os dois.
             

da história a ser recuperada

De Adão e o seu Diário

Adão, feito carne no jardim,
abala, urbano, um cigarro carregando,
e olha ao longe as luzes.
Crocita o Corvo e os portões rangem:
há betão e vidro e indústria.
É Tróia – onde se escreve cartas de amor
presas nas horas de ser Alexandre

__

Feito carne nesse jardim,
Abala, urbano, um cigarro carregando,
numa noite sem fim
e percorre o caminho, as luzes ao longe olhando.

Crocita o Corvo, rangem portões:
é vidro, indústria e betão.
“Somos muitos, mais do que milhões”,
diz a cidade, e o rapaz é Adão. 

quarta-feira, 8 de junho de 2011

tríptico de espera

3.30

Um,
Rumo ao sul
Na carruagem as oliveiras nas cartas
Dadas de pernas abertas.

Dois,
Chora uma criança a sul
E na terra avermelhada cai o céu
No franco duende fechado.

Três,
A música persiste ao sul
As casas brancas acenando
As conversas escondidas

Meia,
Ao sul, um carro esperando,
Sinto-o, não o vejo,
Durmo apenas o cegosurdomudo sono.


1.30

Uma hora
Ardendo em bancos ocupados
Fora de mim,
Como foi que assim tudo se volveu,
Um sol de sangue ardido,
E eu, o topo de um precipício,
Fiquei sendo o fundo
Olhando o céu.
Hoje, meia hora,
Crio asas que vão voando sozinhas,
No meu próprio limbo de tempo desfeito
Sou apenas o que posso ser,
Em nada mais me resta transformar.
E as asas que ardam até
Os meus braços serem pedra
Forte, e eu suba, por fim, mais alto do que elas.


- 1.30

Menos de trinta minutos.
E rasgos de luz insuspeitos a transbordar de sentido.
Leite derramado sobre a fronte quente.
Foi a confusão buscar-me sorrateira.
Furou-me de lado a lado.
Só depois a luz espreitou por dentro de mim.
Iluminou o furo e queimou a ferida.
Menos uma hora.
Gritarei de triunfo se tal for essa luz.
Estarei no oriente encontrado, os bancos puros.
E Vénus recolhida, dormindo, entregar-me-á os seus cabelos.
Sem sequer acordar do sono do Amor.