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terça-feira, 24 de abril de 2012

the spin of the world

Não poderia haver razão
no espaço liminal entre um desejo imenso
e a obsessão de um castelo que seja
a muralha contra qualquer invasão.

Nem no mar nem na terra nem no ar,
nunca haverá argumentos de sobeja
contra a crueldade do mundo enquanto
pudermos dar as mãos e enquanto eu caminhar

e ele girar.

Ao som dos tambores, ao sabor de um grito:
não haverá anéis suficientes no céu,
nem poços tão fundos no ar,
e eu não sucumbirei nunca a este mundo maldito

até ele parar de girar.


domingo, 22 de abril de 2012

remédios santos

"Eu esmuro o meu próprio peito."
"Eu arranho o meu pescoço."
"Eu desenho um corte na minha garganta com água fria"
"Eu molho os meus pulsos."

quarta-feira, 18 de abril de 2012

into the West, recycling

"(...)
Death closes all: but something ere the end,
Some work of noble note, may yet be done,
Not unbecoming men that strove with Gods.
The lights begin to twinkle from the rocks:
The long day wanes: the slow moon climbs: the deep
Moans round with many voices. Come, my friends,
'Tis not too late to seek a newer world.
Push off, and sitting well in order smite
The sounding furrows; for my purpose holds
To sail beyond the sunset, and the baths
Of all the western stars, until I die.
It may be that the gulfs will wash us down:
It may be we shall touch the Happy Isles,
And see the great Achilles, whom we knew
Though much is taken, much abides; and though
We are not now that strength which in old days
Moved earth and heaven; that which we are, we are;
One equal temper of heroic hearts,
Made weak by time and fate, but strong in will
To strive, to seek, to find, and not to yield."

Tennyson : Ulysses

segunda-feira, 16 de abril de 2012

a conversão de Diógenes ao Cinismo

       "Irremediavelmente, não sou um bicho do mato, sou eu, só um homem, nem homem ainda, tenho pêlos e esperma, mas sou não ainda uma pessoa como acho que devo ser, tenho-me até por maior inimigo de mim mesmo, quebrado e afectado, odeio quem não consigo deixar de ser, - e estes filhos da puta que já me vão pedir coisas aqui à minha frente, e eles sem culpa alguma do meu veneno, etc - acordo todos os dias a querer fugir de mim com se houvesse dois eus, e nenhum deles é o Fernando Pessoa (abençoado, que conseguiu ordenar o estilhaçado), não sei o que quero nem o que fazer para chegar lá, e lá não é lugar algum, é mais um estado fugaz, cínico, uma luz que surge de vez em quando, eu não sei fugir de onde estou nem quero ir para onde vou, porque tenho de ir, - querem vinho, Mateus, por sinal, rosé, e ainda me perguntam o meu preferido - e o estado da economia, grande merda a organização do mundo, há até um banco mundial concomitante à fome e à miséria e à doença e aos satélites no espaço, que palhaços fomos, fomos sendo e somos, fizemos deste planeta o maior martírio, não conseguimos parar agora, os mendigos dormindo na rua à noite, as mãos nojentas a descascar uma laranja, o asco, e ainda assim seguimos uma rota circular, que burros, etc, mas eu sou só um homem, não serei feliz enquanto houver uma criança a morrer de fome, mas não sou ainda uma pessoa, os meus pêlos e o meu esperma não podem saciar a humanidade."

Diógenes.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

estentóreo

Seria difícil medir com que força passam as nossas horas ou com que velocidade se move o espaço do teu suspiro ao meu ouvido. Mas tu vieste sempre a mim, inesperadamente, quebrando a rotina do teu corpo e da tua vontade.

domingo, 8 de abril de 2012

o meu cristo

A PAIXÃO

(para o meu tio Tónio)

Nunca mais te verei.
A terra cobriu-te o sol e os dias,
o teu sol e os nossos dias
Agora, entre os dedos das minhas mãos não te vejo no meu abraço
morto sem corpo, sem a luz que o tempo apaga.

Nunca mais te atirarei pedras.
Morreste-nos no verão cravejado de pedras
Que exibi no meu rosto.
Perdoa-me.
Perdoa-me as palavras no entardecer.

Deixo a tua ausência na minha ausência,
Não te posso mais imaginar.
Restará a laje e a humidade no teu retrato
E a continuação das tuas sementes
E eu parto porque o meu corpo já não suporta o teu peso.

Mas perdoa-me as palavras no entardecer.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

SEF

    Reza chegou a Lisboa depois de tudo ter colapsado em Itália e Espanha. Fugira de casa, esse lugar onde o leite das cabras alimenta montanhas mas não saceia sedes, fugira do seu país porque talvez tivesse de salvar uma irmã ou ajudar um pai, não o sabemos porque as causas das coisas nem sempre nos são claras ou passíveis de serem conhecidas. A verdade é que Reza fugira, correra, voara, conduzira e seguira dormindo em comboios e autocarros, percorrera mentalmente todo um Império Persa, a grandeza de quilómetros atravessara-se-lhe na memória que tantas vezes esquece e confunde, para ele a fuga fora uma titanomaquia, e, chegado a Itália, desmoronaram-se os deuses no seu corpo, a força dessas entidades antigas que velavam sobre o Irão e os iranianos esvaía-se-lhe como sangue de uma ferida aberta.