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domingo, 31 de julho de 2011

I'm a happy person

I’ve been to the depths of myself
And left tattered and torn.
But despite myself,
I’m a happy person.

And “when I fall I’ll weep for happiness”
with blue faces carved on my skin.
And beneath it the clearest sun shines.
So clear, I feel the heat of its core
right in the center of my broken toll.
It’s just hard to let the sun out
when the rain my skin is falls hard
on the walls I’ve built only to arrest myself in harm.

I’ve been to my own fortress
And became trapped in it.
But despite my well staring at the sky
I’m a happy person.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

a rude metafísica [nunca te será o reino dos céus]

A José não era alheia a existência mas entregava-a ao poder divino de um deus que não conhecia por nunca lhe ter lido as palavras. Sabia dele o que lhe havia sido ensinado pelos pais e o que ouvia na missa. Não compreendia a figura que o observava de um lugar qualquer no céu, porventura não falariam sequer a mesma língua, mas a certeza de que alguém superior ordenava os mecanismos do mundo era reconfortante e servia de energia para que a máquina que era o seu instinto básico de sobrevivência continuasse a pulsar mesmo perante uma realidade tão severa. Abriu o pequeno portão de madeira da sua propriedade e a passo muito lento caminhou até à porta. 

a mulher que não conseguia escrever romances

Sentou-se e olhou para a página meia escrita. Pediu novo café e decidiu-se a transformar o que imaginara em literatura. Pensar as palavras certas, as descrições límpidas e as metáforas acertadas, mas o período. Como desaparecessem os homens e mulheres que ficcionalmente lhe haviam invadido a imaginação, fechou o caderno bruscamente. Nunca escreveria um romance. E na sua cabeça de literária a culpa era do período, o bode expiatório a degolar era o ser mulher, fêmea, fraca e exposta. E desejou ter nascido homem com um pénis que simbolicamente fosse a mão a semear a terra e a possuí-la. Aquela sua chaga, pensava, aquela sua chaga era a realidade inevitavelmente a tocar-lhe com os seus dedos corriqueiros e vulgares. Ah, como era filha de uma grande puta, a realidade.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

spreading an eclipse.

Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,
Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado



Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.



Fernando Pessoa 

spreading an eclipse.

Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,
Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado
Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração. 

domingo, 10 de julho de 2011

desnudo, vivo.

Havia perdido ainda outra vez mais uma mão. Perdera a conta. Elas cresciam, sempre cresciam mais cedo ou mais tarde. Daquela vez, no entanto, desejava que ela crescesse mais rápido, que o seu surgimento fosse mais vespertino porque lhe fazia falta mais na altura do ocaso, o que criava um problema: na aurora faltava-lhe a mão no sono, onde era tudo um concerto sem que ele pudesse tocar o instrumento que lhe competia; no final de tarde, a mão deixava sentir-se em falta para segurar a bengala que na flor da sua juventude usava para guiar o corpo de velho, pesado, moroso, deficiente. E necessitava também da mão para esmurrar quem se atrevesse a tentar roubar-lhe mais uma que fosse. Só quando obtivesse uma nova mão poderia ele esmagar o mundo com os dedos. E ser, sendo.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Américo, exilado.

À noite, tudo me é execrável e todas as coisas me são mais claras. Renego tudo porque tudo me incomoda as entranhas. Faço o mundo girar ao ritmo da minha bateria. Ao som de uma locomotiva em andamento exalando vapores negros como o breu, abano a minha cabeça e, morto para o mundo, é como se ele fosse uma bola de bilhar que manipulo ou esmago contra uma parede.

1200

Consequentemente, no anonimato da sua própria presença começou a sentir um desconforto inesperado, uma paulatina epifania que relegava a sua t-shirt original e cabelo e nacionalidade diferentes para um plano onde nunca seriam novidade nem motivo de curiosidade extremas. Viu-se uma vez mais sem alguém a conversar consigo. Continuava sorrindo, agora um pouco estupidamente, e, já bebido, seguia olhando em volta, perscrutando a sala com o olhar turvo.
            Pouco tempo após essa repentina e repetida solidão voltavam os seus amigos. Não era ainda hora de ser um dos beautiful ones. Pagou a sua conta, tinha gasto mais do que devia sem no entanto se arrepender, e saíram, ele e os seus companheiros, daquele sítio de arrojada e urbana vivência. Tinha fome. Foram a um restaurante ainda aberto, um daqueles diners que normalmente tresandam a cozinhado foleiro, e ele pediu dois hambúrgueres com batatas fritas. No seu estômago, o vinho caro recebia com prazer e contradição aquela fast-food sebácea e mundanamente saborosa.
  

quarta-feira, 6 de julho de 2011

para o tubarão, lágrima.

No dia seguinte, um anjo ligou-lhe, de sexo bem notoriamente feminino, com votos de promessas e compromissos que através da sua audição ensonada provocaram estranhos sonhos de aflição controlada. E acordou para o calor da terra e para o dia que já ia bem despachado, fugindo-lhe por entre os olhos, que estavam de partida.
            O mundo estava ainda por descobrir. Esse mundo que um dia tinha sido apenas a terra que o vira crescer expandia-se agora em larga escala, galopando veloz, e ele não sentia que essa sede pela Terra algum dia fosse estabilizar. A memória dava-lhe o arcabouço necessário para firmemente suster a respiração durante o tempo que uma despedida dura. Essa memória que, fragmentada como todas as outras, encerrava buracos mais negros que a cor do escuro, largava e armazenava manchas solares tão fortes quanto as do sol.