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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

a poesia não existe.

A noite
A noite veio de dentro, começou a surgir do interior 
de cada um dos objectos e a envolvê-los no seu halo negro. 
Não tardou que as trevas irradiassem das nossas próprias 
entranhas, quase que assobiavam ao cruzar-nos os poros. 
Seriam umas duas ou três da tarde e nós sentíamo-las 
crescendo a toda a nossa volta. Qualquer que fosse a pers-
pectiva, as trevas bifurcavam-na: daí a sensação de que, 
apesar de a noite também se desprender das coisas, havia 
nela algo de essencialmente humano, visceral. Como ins-
tantes exteriores que procurassem integrar-se na trama 
do tempo, sucediam-se os relâmpagos: era a luz da tarde, 
num estertor, a emergir intermitentemente à superfície das 
coisas. Foi nessa altura que a visão se começou a fazer 
pelas raízes. As imagens eram sugadas a partir do que 
dentro de cada objecto ainda não se indiferenciara da luz 
e, após complicadíssimos processos, imprimiam-se nos 
olhos. Unidos aos relâmpagos, rompíamos então a custo 
a treva nasalada.

in Luís Miguel Nava, Vulcão I

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