CENTO
E QUINZE QUILÓMETROS A OESTE
1. Pré-APDC
Houve
o choque no estrondo da noite. Bêbados, os lençóis deram alento apenas uma vez enquanto
via pela luz que, escura, aclarava as sombras do quarto. Eu vi. Vi o abismo
caindo em frente a meus pés descalços no gelo do que viria, e eu não soube
parar de cair sem querer parar, fui, vi o sol, comi tubarões e calças
cinzentas, tomei um judeu como escravo milenar. Da minha raiva de praia sob o
luar e da canção atirada contra as ondas, e ele observando-a da encosta, desprotegido,
o meu grito ia morrendo contra a água. Mas na noite estava eu não sozinho, nunca
estive. Fui só senhor dos templos deserdados, nada mais. Até haver a noite em
que a televisão se compadeceu de mim. Fui já não egoísta, mas malévolo, oh, se
malévolo fui, como se tudo fosse o espelho de mim próprio. Depois, nas teclas
límpidas de um piano, toquei a juventude de me saber carne, e envelheci.
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Gottfried Helnwein - Epiphany I (Adoration of the Magi) |
2.
Na rua, cento e quinze passos, entrar.
A
leitura repetida exaustivamente. Queimada pela luz capitalista. Os meus olhos
sem acreditarem nas letras. Como se fosse uma punheta diária. Não senti o
orgasmo a gerar-se. Soube, no entanto, gerir as trevas. Segui a voz dos
caracóis até me encontrar de novo rosto. E ele perguntava, não estás
estilhaçado. Não, estou uno porque o calor é o mesmo. E no fim havia sempre o
capitalismo. Porco, que me levou à soberba. Jade partida, miríade de merda cinco
horas a sul. Continuei porque era café para os mais novos. Nunca vi por essa
altura que dos abismos se sai por cima. Escavei, no entanto, segui os
caranguejos.
Nunca
vi as baleias porque dormia. E talvez nem me lembre bem do cimento que
incorporei. Porque os sumos morcegos, erráticos.
Talvez
estivesse mesmo a estilhaçar-me. Caminhando até à inventada radiação.
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Gottfried Helnwein - Epiphany II (Adoration of the Shepherds) |
3.
East placed, West-bound.
Acordei
com o Canadá no quarto, e os meus olhos eram uma alergia à partida sem
lágrimas. Pelas montanhas, via-se a praia que refletia o céu. Com risos, direção
sul, uns cento e quinze quilómetros a este, onde as ruas eram perfeitas.
Fugiram-me, fiquei só, entrei no avião, bebi. Porque fiquei sempre a oeste,
corpo de volta à velhice. Não vi os navios partirem. Mas deixei-os estar até que
a Inglaterra me trouxe de volta ao conforto de me saber suicida. Não me matei,
no entanto.
Porque
o meu cérebro está ainda a cento e quinze quilómetros a oeste.
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Gottfried Helnwein - Epiphany III (Presentation in the Temple) |