Número total de visualizações de páginas

sábado, 25 de fevereiro de 2012

o desenhador

     Eu sentei-me no banco e esperei o metro, olhando para a direita, de onde viria o comboio. Eu sabia que ele viria da direita, apesar de um casal de turistas se ter levantado ao ouvir o barulho ensurdecedor dos carris a chiar vindo da esquerda. Tu desenhavas, também sentado no banco, mesmo ao lado desse casal, que se sentava à minha direita.
     Começaste a desenhar-me, eu sei-o, e eu nunca olhei na direcção contrária. Antes me deixei ser desenhado por ti, que ora olhavas para o papel e mexias o lápis na sua face, ora olhavas de novo para mim e me lias as feições. Eu tinha a completa noção de estar a ser desenhado e talvez tu até soubesses que eu sabia que me desenhavas. Tive mesmo um arrepio na espinha quando o casal se levantou e se quedou imóvel, impedindo que o teu ângulo de visão me percepcionasse. Felizmente, eles sentaram-se pouco tempo depois, e eu acalmei.
     Tu continuaste a desenhar-me, os movimentos manuais cada vez mais rápidos, como se o desenho dependesse do momento da chegada do metro. Eu não virei a cara, reforço-o. E olhei-te também quando miravas apenas o papel. Também eu te desenhei na minha imaginação, sem papel nem lápis, impedido de te escrever ou pintar, mas criando-te ainda assim numa imagem icónica. Fiz-te uma vida, uma rotina, imaginei-te amigos e família, criei-te um emprego e dei-te também dores e prazeres, conferi-te tristezas e sorrisos, férias, noites sem dormir, retirei-te até as horas da manhã porque te pus a dormir profundamente até às duas da tarde.
     O comboio do metro veio, enfim. Entrámos na mesma carruagem e eu continei a olhar para ti. Poderia ter sido a inauguração de um romance, a situação inicial ou final de um conto, mas cedo reparei que já não me desenhavas. E a nossa história acabou aí.

Sem comentários:

Enviar um comentário