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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

epístola

Havia ainda as cartas na época onde não era suposto haver sequer escrita com tinta e papel. Alguém me lembrou de que ler um postal ou um texto escrito à mão e demorado pelas horas que a física permite é mais valioso do que uma mensagem electrónica instantânea. E eu demorei, como as cartas, eu demorei a perceber o abismo que há entre esses dois tipos de comunicação diferentes - as cartas permitem uma objectivação corpórea das lembranças, são a prova palpável das saudades ou do amor ou da morte. São, em suma, o desenho que a linguagem escrita tão bem consegue fazer dessa energia invisível que nos une às pessoas de quem gostamos. As cartas ficam, amarelecidas ou rasgadas, enquanto nós envelhecemos, ficam de uma forma ou de outra intactas à medida que o nosso corpo já não cabe na imagem que uma fotografia anexada mostra - as cartas eternizam também os sentimentos mutáveis ou eternos que a um momento ou outro manifestamos. Podem ficar para sempre encerradas numa gaveta velha e difícil de abrir. Mas da mesma forma que não são tão imediatas como uma mensagem electrónica, também não são tão facilmente eliminadas ou simplesmente ignoradas. As cartas, devíamos todos sabê-lo, as cartas são a fundamentação epistolar das relações, da memória, do tempo e da vida - são o que resta se o abandono na velhice nos abraça ou o que sobra de uma vida linear quebrada pelas pausas entre a escrita e a recepção desses mesmos textos, tão fundamentais.

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